O profissionalismo no futebol brasileiro – Sempre Flu – julho/agosto/2006

Paulo Mozart, Fundador da Tricolor de Coração

O profissionalismo no futebol brasileiro

(site da Sempre Flu – julho / agosto – 2006 )

 

Caros Sempristas,

 

Extremamente honrado e feliz com o convite  para colaborar como colunista da Sempre Flu, tentarei abordar o tema acima , sem pretensões a ensinar ou ditar conduta e entendimento.

 

Antecipo que não há pretensão alguma do autor em esgotar o assunto; não sofro da vaidade de imaginar que meu ponto de vista seja o mais correto ou mais completo e, desde já, agradeço críticas e contribuições, como por exemplo, sugestões de assuntos a serem tratados dentro deste tema geral.

 

Passando ao tema, vale situarmos a história do profissionalismo no ambiente de futebol.

 

O espaço dedicado ao futebol pela imprensa (apenas impressa e radiofônica, ao início) foi crescendo, a partir do meio da década de 20, dando nova feição ao futebol, que gradativamente foi saindo da categoria de esporte restrito aos diretamente envolvidos para se tornar esporte das massas.

 

Nasciam (ou eram fabricados) os ídolos; seus apelidos bombásticos ajudavam a criar e entusiasmar torcidas (atualmente temos Fenômeno e Imperador, como já tivemos Patada Atômica, Fio de Esperança, Galinho, Furacão e Dinamite, sucedendo a Camisa de Veludo, Diamante Negro, Divino Mestre e outros);  as chamadas às torcidas foram se tornando lugar comum a partir do momento em estas começavam a se consolidar, movimento que se manifestou como realidade dominante quando um importante jornal esportivo passou a  ceder mais da metade de seu espaço ao futebol: a Gazeta Esportiva de São Paulo.

 

As primeiras transações comerciais no ambiente de futebol envolviam, nesta época, apenas o passe de jogadores. Todo jogador, ao se profissionalizar, ou seja, ao assinar contrato como atleta profissional com um clube, passava a ter vínculo com este, o chamado “passe”.

 

Não se falava em comercialização de produtos ou serviços dentro dos clubes ou nos estádios.

 

Entretanto, as rádios já iniciavam a comercialização de espaço e patrocínio, nas transmissões de eventos e nos programas dedicados ao futebol ( vejam como era excitante: “Moço repare no belo tipo faceiro sentado a seu lado; pois acredite, quase morreu de bronquite. Salvou-o Rum Creosotado.”  Este era  o reclame – como eram chamados os anúncios nesta época – da Rádio Nacional e da Light, nos bondes do Rio de Janeiro).

 

O passe passou a ser registrado e controlado pelas associações e federações e, mais tarde, controlado diretamente pela FIFA, entidade que veio se consolidando gradativamente, pelo esforço de Jules Rimet, seu primeiro presidente, após o campeonato mundial de 1930, no Uruguai.

 

Esta situação se firmou e passou a reger o futebol brasileiro na década de 40 e consolidou-se  mundialmente a partir da de 50.

 

Registre-se a frase célebre: “Dêem-me o Queixada e eu lhes darei o título”.  Gentil Cardoso aos dirigentes do Fluminense se referindo ao passe de  Ademir Menezes, que nos daria o título de Supercampeão em 1946.

 

O romantismo do futebol e no futebol ficou abalado na década de 40, teve sua doença agravando progressivamente nas de 50 e 60, entrou em coma profunda na de 70 e  teve sua morte decretada nos anos 80.

 

Curiosamente (ou como conseqüência direta?) se comportou inversamente à expansão tecnológica e aumento do alcance populacional pela mídia dominante da segunda metade do século passado: a televisão.

 

Já do meio para os últimos anos de 40 as transferências de craques com altas compensações financeiras tomavam as manchetes esportivas. Citando algumas do Rio, apenas como ilustração, tivemos Jair (o Jajá que saiu do Madureira para o Vasco e daí para o Flamengo, terminando 20 anos depois na Ponte Preta), o já citado Ademir (para o Fluminense em 1946), Zizinho (do Flamengo para o Bangu) e o campeão mundial pelo Fluminense em 1952, Didi (para o Botafogo).

 

Iniciava-se a era do mecenato, algumas vezes exercido por pessoas individualmente (Guilherme Silveira no Bangu), outras vezes por grupos de apaixonados ( comerciantes da Rua do Acre para o Vasco, o grupo liderado por João Saldanha no Botafogo, e muitos outros exemplos pelo Brasil inteiro).

 

As três grandes entidades -cuja individualização administrativa total virá a ser obrigatória nas décadas de 80/90, para os clubes que quiserem sobreviver e ser bem sucedidos – continuavam, entretanto, indivisíveis e monolíticas: o clube social (sede e local de lazer e atividades sociais para sócios), o futebol (ainda tratado como departamento e / ou atividade do clube) e a imagem institucional (valor de marca ainda não explorado, apesar de já se verificar o algum reconhecimento de sua existência, entretanto apenas vinculado ao tamanho da torcida).

 

Este assunto – as três grandes entidades – será objeto de maior profundidade de análise em futuro. É aspecto e assunto da maior relevância quando se quer buscar alternativas para o estado crítico (administrativo, econômico e financeiro) da maior parte dos clubes de futebol brasileiros, em especial do Fluminense Football Club.

 

Entrava-se na década de 50 com um registro inquestionável do crescimento e força do “Brasil futebol” no mundo: o primeiro clube sul americano e até hoje o único, era reconhecido como modelo: o Fluminense Football Club recebia em 1949 a Taça Olímpica agraciada pelo Comitê Olímpico Internacional.

 

Vai para a Rua Álvaro Chaves, 41 um troféu que dava registro físico a um reconhecimento já consolidado entre todas as entidades do esporte brasileiro.

 

O Fluminense é padrão e paradigma de organização e administração esportiva, reconhecido internacionalmente!

 

A realidade evidencia a justiça do reconhecimento. O Fluminense entra na década de 50 como o maior vencedor em esportes olímpicos: aquáticos – natação, saltos e water pólo -, treze anos invicto em vôlei feminino, nacional e internacionalmente ( de 12 jogadoras da seleção brasileira, 11 eram do Fluminense), imbatível em basquete, tiro, esgrima, campeão mundial de tênis de mesa. É também campeão mundial de futebol interclubes (Taça Rio de 1952).

 

Outra face da força do “Brasil Futebol” foi a realização da Copa do Mundo em 1950. O povo brasileiro registra definitivamente o futebol como sua maior paixão. A perda da Copa traz uma comoção nacional maior que qualquer outra jamais ocorrida, comprovando que o futebol tomou conta do coração do brasileiro.

 

Assistimos um fenômeno psicológico de inconsciente coletivo: os craques passam a ser conhecidos nacionalmente, principalmente os que jogavam no Rio de Janeiro, capital da República, cujos jogos eram transmitidos para todo o país  pela Rádio Nacional.

 

Dois irmãos jornalistas, os Rodrigues Nelson e Mário ( o paradigma da dramaturgia brasileira e o homem que dá o nome ao Maracanã),  transformam o Fla x Flu em paradigma de oposição e disputa, levando suas respectivas paixões a todos os brasileiros.

 

Jogadores de futebol passam a ser personagens íntimas de todo o povo brasileiro. Mitologia em massa, cada qual se projetando no ídolo de sua paixão.

 

Este cenário evoluiu lentamente até a primeira Copa transmitida diretamente pela televisão, em 1970.

 

A situação de mercado e ambiente de negócios hoje estabelecida  – este multimilionário negócio chamado futebol – germinou e cresceu lentamente durante mais de 50 anos, para falar apenas do nosso país, que apesar de ser o de maior sucesso esportivo (5 Copas) é mercado fornecedor de mão de obra cada vez mais jovem. Atualmente a velocidade de expansão deste “business” é vertiginosa.

 

Já temos hoje jogadores de 20 anos comprados como estoque futuro (exemplo concreto é o caso Diego, do Fluminense e campeão mundial sub 20 pela seleção brasileira, que foi comprado e imediatamente emprestado, para ser utilizado pelo Benfica em 2006!).

 

Este pano de fundo, retrospecto ligeiro da história do futebol (com algumas estórias), é fundamental para entendermos como  evoluiu o profissionalismo do futebol.

 

Como germinou durante décadas até chegar ao momento atual em que os jogadores se transformaram em mega estrelas e o futebol em negócio muitas vezes milionário.

 

Os registros históricos nos ajudam a entender como a conjunção entre mídia imediata e paixão irracional (torcida) levaram a uma transformação radical do ambiente e cenário.

 

Os craques, os clubes, os clássicos e as competições que hoje ocupam horário nobre das televisões, tendo como expoente máximo a fase final das Copas do Mundo ( estas levam 4 bilhões de pessoas ou mais a interromper qualquer atividade para assistir os jogos) tiveram como resultante que, por exemplo, os direitos de transmissão para a Copa de 2010 já estão vendidos desde 2003; as transações de dezenas de milhões de euros por um jogador são freqüentes; nasceu a figura oficial do Agente FIFA, que são empresários no comando do futebol, substituindo os mecenas dos anos 40, 50 e 60.

 

Exemplo claro da modernização crescente é que a UEFA, entidade máxima que comanda o futebol europeu: consciente da importância que a Tecnologia de Informação (TI) e a Tecnologia da Comunicação (TC) representam nos dias atuais, implementou a Uefa New Media S/A, empresa criada com o objetivo e foco de pesquisar e aplicar todas as novidades surgidas em TI / TC ao negócio futebol.

 

Um dos objetivos da Uefa New Media é explorar os direitos das novas tecnologias junto aos fãs de futebol de todo o mundo. Na prática, os internautas terão à disposição soluções gráficas de altíssima qualidade e ainda receberão um rico conteúdo através das diversas inovações tecnológicas.

 

Essa empresa de tecnologia atua na produção de conteúdos de ponta em diversas plataformas eletrônicas, como o site oficial “uefa.com”. Devido ao know-how avançado que possui, a Uefa New Media S/A pretende atualizar todas as federações de futebol filiadas à Uefa.

 

O “FIFA Soccer”, jogo de vídeo game, já está em sua  décima primeira edição, apresenta receitas de milhões de dólares e é o menos pirateado no universo de games!

 

Estas mudanças e transformações gigantescas exigem ajustes, adaptações e reformulações organizacionais nos clubes e suas entidades maiores (federações, ligas e confederações).

Este choque estrutural (ou a falta dele!) vitimou grandes clubes em todo o mundo. Camisas que eram referências de sucesso e vitória padecem para se manter nas divisões de elite, alguns outros lutam para não fechar as portas e outros já fecharam sem alarde.

 

No tradicional cálcio, Bolonha, Nápoli, Torino e Genoa têm manchado seu passado glorioso. A situação mais delicada é a dos napolitanos, que após levantar o scudetto italiano por duas vezes em 1987 e 90, foi rebaixado para a terceira divisão devido a problemas econômicos. O Torino, com oito campeonatos conquistados, habituou-se a disputar a Serie B do campeonato local nos últimos 10 anos. Já o Bologna, que de 1925 a 64 faturou oito títulos nacionais, foi rebaixado nesta temporada 2004/2005 e não brigará pelo 10oscudetto. O Genoa, primeiro campeão italiano e dono de seis conquistas, conseguiu no campo o direito de voltar a elite do cálcio, todavia perdeu a vaga por de suborno na busca de resultados. Segue lutando na justiça italiana, mas não em campo.

 

Na Argentina os tradicionais Huracán e Ferro Carril não conseguem retornar mais ao torneio da primeira divisão. O Argentinos Juniors, campeão nacional em 1985 e da Libertadores em 86, limita-se a brigar contra o rebaixamento. O alemão Schalk 04, os ingleses Leeds United e Tottenham e o francês Olympique de Marseille não são protagonistas principais em seus campeonatos e não conquistam um título nacional ou europeu há muito tempo.

 

Somente com visão empresarial e absoluta e plena  PROFISSIONALIZAÇÃO de suas estruturas gerenciais poderão os clubes sobreviverem  e terem sucesso no mundo atual do “business” futebol.

 

Dando foco somente aos clubes do Rio de Janeiro, que nas décadas de 50 e 60 estavam entre as entidades mais fortes do futebol brasileiro, com o maior deles sendo reconhecido pelo COI com a Taça Olímpica, pergunto, para exercício de reflexão sobre o mínimo requerido, quantos dispõe de dirigentes profissionais especializados em:

– direito esportivo

– marketing institucional

– administração técnica de marca e imagem

– sociologia e psicologia geral e esportiva

– fisio – dinâmica esportiva, fisiatria infantil e juvenil

– gerência corporativa

– sistemas de avaliação de Indicadores Gerenciais de Desempenho

– sistemas de Auditoria de Performance

– Conselhos Estratégicos de Gestão

 

Para os que buscam maior rigor (e acharão mais razões para tristeza!), analisem a estrutura organizacional dos anos 50 e a atual do nosso querido Fluminense (regida pelo Estatuto editado em 2001!). São praticamente idênticas. O mundo é outro, as regras e normas de legislação são outras, a tecnologia e a técnica evoluíram brutalmente, entretanto, continuamos organizacional e estruturalmente nos anos 50.

 

Fica facilmente compreensível e exposta uma das razões que nos levam ao estado falimentar não declarado. A prioridade da administração passa a ser, obrigatoriamente, a última crise que aparece. Resta reclamar do ambiente externo e a este atribuir culpas e responsabilidades, por não estar estruturalmente preparado para enfrentá-lo e ser vencedor.

 

Por outro lado, não nos faltam exemplos de sucesso aqui mesmo no Brasil. O planejamento estratégico do Atlético Paranaense (horizonte de 10 anos, realizado em 1995) que levou o clube de mero figurante no cenário futebolístico brasileiro a protagonista importante e campeão brasileiro em apenas 05 anos; o grupo do São Paulo, que esteve nas Laranjeiras para aprender como se administrava um clube ( ano de 62 ), implementou estrutura organizacional e planos de longo prazo que levaram à construção do Morumbi e ao posicionamento do clube como potência internacional nos anos 90; o Vitória (da Bahia) que – enquanto esteve dirigido empresarialmente – cresceu, apresentou resultados econômicos e esportivos de sucesso e saneou suas operações e que – ao deixar de observar os princípios empresariais – retornou ao lugar comum do futebol brasileiro – o desespero! Vários outros, negativos e positivos,  poderiam ser citados.

 

Reconhecimento como fontes-  “Cidade do Futebol” e ao jornal “O Lance”

Pesquisa em The Economics of Football – Cambridge – Dobson & Goddard

Futebol e Psicologia – E. Mira y Lopez & Athayde Ribeiro da Silva