O Queijo Verde, Branco e Grená
Era uma vez um bando de ratos, porém divididos entre duas espécies, quais sejam os Rattus norvegicus e os Mus musculus, os quais decidiram viver na mesma casa por três anos. Os norvergicus no assoalho da casa, os musculus num telhado condenado. Havia ratos de todos os tipos: – grandes e pequenos, negros e brancos, de primeira, segunda e terceira categoria, velhos e jovens, bem e mal educados, da roça e da cidade, magros e gordos, sóbrios e bêbados, misóginos e filóginos, agressores e protetores de humoristas, hipócritas e autênticos, milionários e pobres, fortes e fracos.
Mas ninguém ligava para as diferenças, porque todos estavam irmanados em torno de um sonho comum: – um queijo enorme, verde, branco e grená, cheiroso, bem pertinho dos seus narizes. Comer o queijo seria a suprema felicidade… Bem pertinho é modo de dizer.
Na verdade, o queijo estava imensamente longe porque no meio dos ratos estava um gato disfarçado… O gato era incompetente, sem carisma, com cara de bobo, se vendia pelo poder, mas tinha dentes afiados e não dormia nunca. Por vezes fingia dormir. Contudo, bastava que um ratinho mais corajoso se aventurasse para fora do buraco, estivesse ele com ou sem capacete, para que o gato desse um pulo e… Era uma vez um ratinho…
Os ratos que imaginaram outro tipo de situação, passaram a odiá-lo. Alguns Mus musculus mudaram de nome para tentar alguma manobra diferente e passaram a se apresentar como Rattus rattus para disfarçar. Isso tudo para chegar ao queijo verde, branco e grená, mesmo que fosse agora ou daqui a 18 meses.
No entanto, quanto mais odiavam o gato, mais irmãos de luta se sentiam. O ódio a um inimigo comum os tornava cúmplices de um mesmo desejo: – queriam que o gato morresse, renunciasse ou sonhavam com um cachorro…
Como nada do planejado dava certo, reuniram-se para conversar. Faziam discursos, denunciavam o comportamento do gato (não se sabe bem para quem) e chegaram mesmo a escrever em blogs com a crítica filosófica aos gatos.
Boicotavam a casa onde todos moravam. Diziam que chegaria um dia em que os gatos seriam abolidos e todos seriam iguais. Pregavam a união e clamavam por um armistício. Bradavam nos corredores dizendo que: – “Quando se estabelecer a ditadura dos ratos”; “Quando nós dermos um golpe”; “Então todos serão felizes”…
Mas não é só. Não parava por aí.
Continuava o falatório: – “O queijo é grande o bastante para todos”, dizia um. – “Socializaremos o queijo”, dizia outro. – “O queijo somos todos nós”, recitava outro numa sinfonia mal executada e sem fim.
Todos batiam palmas e cantavam as mesmas canções. Afinal de contas “palavras o queijo leva”.
Era comovente ver tanta fraternidade. Como seria bonito quando o gato morresse! Ou renunciasse. Sonhavam. Nos seus sonhos comiam o queijo verde, branco e grená com seus acompanhamentos, as belas harmonizações entre queijo provolone e os molhos de jabuticaba, os famosos PJs. E quanto mais o comiam no sonho, mais o queijo crescia como no milagre da fermentação biológica. E os ratos salivavam… E marchavam juntos, rabos entrelaçados, gritando: – “Queremos o queijo, já! Fora Gato”! – “Bola nas costas do gato”!
Sem que ninguém pudesse explicar como, o fato é que, ao acordarem, numa bela manhã de quinta-feira de outono, o queijo havia mofado. Por falta de gerenciamento e por uma incompetência jamais vista no casarão tombado, tanto do gato quanto dos ratos, que não o colocaram na geladeira. O queijo parou de crescer e apodreceu. Os ratos fisiológicos estragaram o processo natural de crescimento e fermentação biológica do raro queijo verde, branco e grená.
As despesas não foram pagas, os impostos também não. A dívida da casa aumentou exorbitantemente diante do caos. Nenhuma maquiagem, mentira ou reforma gambiarra foi capaz de esconder ou evitar. Tudo porque estavam mais preocupados em comer o queijo do que tratá-lo e conservá-lo bem e, assim, destruíram-no.
Diante do cenário catastrófico os ratos nem mais conseguiam perceber a diferença entre o gato de antes e os ratos de agora. E compreenderam, então, que não havia diferença alguma. Pois todo rato que fica dono do queijo acaba virando gato. Não é por acidente que os nomes são tão parecidos.
Com o queijo mofado os Rattus norvegicus e os Mus musculus decidiram abandonar o assoalho e o telhado do imóvel centenário, para aguardarem de longe mais uma oportunidade de chafurdarem no queijo, sonho antigo que aguardam ansiosamente, desde que alguém lave a sujeira e o faça voltar a crescer biologicamente. Afinal, o grande objetivo sempre foi apenas se deliciar com o queijo verde branco e grená até ele acabar, sem jamais se preocuparem com o restante ou com sua perenidade.
“Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência”!